O chamado ganho de capital na aquisição de imóvel rural refere-se ao imposto que incide sobre o lucro auferido na operação de compra e venda desse imóvel.
Ocorre que, em se tratando de imóveis rurais, ao regulamentar os critérios para apuração de base de cálculo do ganho de capital, a Receita Federal extrapolou os critérios legalmente definidos.
A Instrução Normativa SRF nº 84/2001[1], que dispõe sobre a apuração e tributação de ganhos de capital nas alienações de bens e direitos por pessoas físicas, não respeitou a forma de apuração do ganho de capital na aquisição de imóveis rurais, já estabelecida pela legislação infraconstitucional.
Com isso, a Receita Federal arbitrariamente estabeleceu regras que majoram a carga tributária incidente sobre essas operações.
Sob este enfoque, pretende-se demonstrar como a Receita Federal tem afrontado o sistema constitucional tributário, e como a tributação sobre o ganho de capital deve ocorrer na aquisição de imóveis rurais.
GANHO DE CAPITAL NA TRIBUTAÇÃO SOBRE A RENDA
Nos termos do artigo 3º, da Lei nº 7.713/1988[2], que dispõe sobre a legislação do imposto de renda, infere-se que o tributo incide sobre o rendimento bruto auferido, sem qualquer dedução:
§ 2º Integrará o rendimento bruto, como ganho de capital, o resultado da soma dos ganhos auferidos no mês, decorrentes de alienação de bens ou direitos de qualquer natureza, considerando-se como ganho a diferença positiva entre o valor de transmissão do bem ou direito e o respectivo custo de aquisição corrigido monetariamente, observado o disposto nos arts. 15 a 22 desta Lei.
§ 3º Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins.
Assim, depreende-se que o fato gerador do imposto de renda sobre o ganho de capital corresponde à diferença entre o valor de transmissão do bem e o seu respectivo custo de aquisição.
De acordo com o artigo 16[3] do referido dispositivo legal, o custo de aquisição será o preço ou valor pago.
Porém, no caso de ausência dessa informação, o custo de aquisição será auferido conforme:
I – o valor atribuído para efeito de pagamento do imposto de transmissão; II – o valor que tenha servido de base para o cálculo do Imposto de Importação acrescido do valor dos tributos e das despesas de desembaraço aduaneiro; III – o valor da avaliação do inventário ou arrolamento; IV – o valor de transmissão, utilizado na aquisição, para cálculo do ganho de capital do alienante; V – seu valor corrente, na data da aquisição.
Em resumo, a legislação infraconstitucional determina que, para a apuração do ganho de capital, o valor de aquisição dos bens e/ou direitos objeto da transação deve ser abatido do valor de alienação. Significa que, o ganho de capital é auferido com base na diferença positiva entre o valor de alienação do imóvel e o seu respectivo custo de aquisição.
APURAÇÃO DO GANHO DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS
No que diz respeito aos imóveis rurais, entretanto, a Lei nº 9.393/96[4] estabeleceu que, para fins de apuração do imposto sobre a renda, o ganho de capital deve ser calculado com base na diferença entre o valor da terra nua (VTN), declarado no ano da alienação, e o VTN declarado no ano de aquisição.
Seguindo-se essa ótica, o artigo 19 da referida Lei, que regulamentou o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), dispõe:
Art. 19. A partir do dia 1º de janeiro de 1997, para fins de apuração de ganho de capital, nos termos da legislação do imposto de renda, considera-se custo de aquisição e valor da venda do imóvel rural o VTN declarado, na forma do art. 8º, observado o disposto no art. 14, respectivamente, nos anos da ocorrência de sua aquisição e de sua alienação.
Parágrafo único. Na apuração de ganho de capital correspondente a imóvel rural adquirido anteriormente à data a que se refere este artigo, será considerado custo de aquisição o valor constante da escritura pública, observado o disposto no art. 17 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.
Desse modo, sobre os imóveis adquiridos a partir de 1º de janeiro de 1997, o ganho de capital deve ser apurado com base na diferença entre o VTN declarado no ano de venda e o no ano de aquisição.
Então, se o imóvel for adquirido e vendido ao longo de um mesmo ano, ainda que a venda se dê por valor superior ao de compra, nenhum ganho de capital será devido.
Sobre os imóveis adquiridos antes de janeiro de 1997, a redação do parágrafo único leva ao entendimento de que o custo de aquisição deve ser considerando como o valor constante da escritura pública, ao passo que o custo de alienação será o VTN declarado no ano de venda.
Assim, observa-se que, de acordo com o referido artigo 8º[5], o VTN deverá constar no Documento de Informação e Apuração do ITR (DIAT), que irá compor a Declaração do ITR.
O VTN da alienação, por sua vez, reflete o valor de mercado da terra, e não é igual ao valor efetivo da venda do imóvel. Isso porque, os valores relativos às benfeitorias, culturas, pastagens e florestas que eventualmente se encontrem no imóvel, não irão compor o cálculo do VTN.
O inciso I do §1º e do §2º do artigo 10 da Lei nº 9.393/96 é claro nesse sentido.
A bem ver, essa forma de apuração do ganho de capital estabelecida pelo art. 19 da Lei nº 9.393/96, que utiliza o VTN em detrimento do custo de aquisição e de venda do imóvel, é mais benéfica ao contribuinte. Afinal, no cálculo são computados apenas os valores da terra nua na data de aquisição e venda do imóvel, sem considerar eventuais benfeitorias, culturas, pastagens e demais investimentos capazes de majorar o valor do imóvel.
Pois bem, feitas estas considerações, tem-se que, ao contrário do que entende a Receita Federal, para fins de incidência do imposto de renda, o valor do ganho de capital na alienação de imóveis rurais deverá ser calculado com base no VTN.
O ENTENDIMENTO DA RECEITA FEDERAL
Ao regulamentar a forma de apuração do ganho de capital na alienação de imóvel rural, a Receita Federal Brasileira estabeleceu uma sistemática distinta da Lei nº 9.393/96.
Com a Instrução Normativa nº 84/2001, a Receita condicionou a aplicação do artigo 19, da Lei nº 9.393/96 à entrega da DIAT. Ou seja, a Receita impôs uma restrição que não havia sido imposta pelo legislador infraconstitucional.
Ao alterar a sistemática de apuração do ganho de capital na alienação de imóveis rurais no artigo 10º da referida IN nº 84/2001, a Receita arbitrariamente alterou a base de cálculo do imposto de renda:
Art. 10. Tratando-se de imóvel rural adquirido a partir de 1997, considera-se custo de aquisição o valor da terra nua declarado pelo alienante, no Documento de Informação e Apuração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (Diat) do ano da aquisição, observado o disposto nos arts. 8º e 14 da Lei No 9.393, de 1996.
§ 1º No caso de o contribuinte adquirir: I – e vender o imóvel rural antes da entrega do Diat, o ganho de capital é igual à diferença entre o valor de alienação e o custo de aquisição; II – o imóvel rural antes da entrega do Diat e aliená-lo, no mesmo ano, após sua entrega, não ocorre ganho de capital, por se tratar de VTN de aquisição e de alienação de mesmo valor.
§ 2º Caso não tenha sido apresentado o Diat relativamente ao ano de aquisição ou de alienação, ou a ambos, considera-se como custo e como valor de alienação o valor constante nos respectivos documentos de aquisição e de alienação.
§ 3º O disposto no § 2º aplica-se também no caso de contribuinte sujeito à apresentação apenas do Documento de Informação e Atualização Cadastral (Diac).
Como se vê na IN, o ganho de capital deveria variar de acordo com o mês de aquisição e/ou alienação do imóvel rural. Por considerar o prazo fixado para a entrega da DIAT como critério, a IN condiciona a regra do art. 19 da Lei nº 9.393 a três meses do ano (outubro a dezembro).
Ocorre que a entrega da DIAT não foi estabelecida como critério pela Lei como condicionante para a apuração do ganho de capital nos termos em que previsto pelo art. 19 da Lei nº 9.393/06. Em verdade, a data de entrega é indiferente na medida em que o VTN será único para todo o ano, independente de quando a Declaração é formalizada.
Com base nessas considerações, conclui-se que a IN SRB nº 84/2001 é manifestamente contrária às disposições da Lei nº 9.393/96. O entendimento da Receita fere o princípio constitucional da legalidade.
Portanto, por violar a competência exclusiva da União e alterar a base de cálculo do tributo, considera-se inconstitucional o conteúdo da IN 84/2001.
Caso queira entender mais sobre a apuração do ganho de capital na aquisição de imóveis rurais para fins de incidência tributária, procure nossa equipe.
[1] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=14400&visao=anotado
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7713.htm
[3] Art. 16. O custo de aquisição dos bens e direitos será o preço ou valor pago, e, na ausência deste, conforme o caso: I – o valor atribuído para efeito de pagamento do imposto de transmissão; II – o valor que tenha servido de base para o cálculo do Imposto de Importação acrescido do valor dos tributos e das despesas de desembaraço aduaneiro; III – o valor da avaliação do inventário ou arrolamento; IV – o valor de transmissão, utilizado na aquisição, para cálculo do ganho de capital do alienante; V – seu valor corrente, na data da aquisição. § 1º O valor da contribuição de melhoria integra o custo do imóvel.
§ 2º O custo de aquisição de títulos e valores mobiliários, de quotas de capital e dos bens fungíveis será a média ponderada dos custos unitários, por espécie, desses bens. § 3º No caso de participação societária resultantes de aumento de capital por incorporação de lucros e reservas, que tenham sido tributados na forma do art. 36 desta Lei, o custo de aquisição é igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista beneficiário. § 4º O custo é considerado igual a zero no caso das participações societárias resultantes de aumento de capital por incorporação de lucros e reservas, no caso de partes beneficiárias adquiridas gratuitamente, assim como de qualquer bem cujo valor não possa ser determinado nos termos previsto neste artigo.
[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9393.htm
[5] Art. 8º O contribuinte do ITR entregará, obrigatoriamente, em cada ano, o Documento de Informação e Apuração do ITR – DIAT, correspondente a cada imóvel, observadas data e condições fixadas pela Secretaria da Receita Federal. § 1º O contribuinte declarará, no DIAT, o Valor da Terra Nua – VTN correspondente ao imóvel. § 2º O VTN refletirá o preço de mercado de terras, apurado em 1º de janeiro do ano a que se referir o DIAT, e será considerado auto-avaliação da terra nua a preço de mercado. § 3º O contribuinte cujo imóvel se enquadre nas hipóteses estabelecidas nos arts. 2º e 3º fica dispensado da apresentação do DIAT.