Ao longo dos últimos anos, brasileiros têm migrado para o exterior a trabalho. Em busca de melhores condições e qualidade de vida, deixam seus entes familiares para trás.
Neste contexto, é comum que, em alguns casos, ocorra o envio de dinheiro para auxílio financeiro àqueles que permaneceram no Brasil, por meio da doação.
Em suma, a doação nada mais é do que um contrato.
Nos termos do Código Civil[1], uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, por meio da doação.
Assim, uma vez verificada a doação com a transferência efetiva de bens ou direitos, nasce a obrigação tributária de pagar o imposto.
O imposto que incide sobre a doação de bens ou direitos, é o ITCMD.
De acordo com o artigo 155, I, da Constituição Federal, o ITCMD, imposto sobre transmissão causa mortis e doação, é tributo de competência exclusiva dos Estados e Distrito Federal.
Entretanto, aqui nos reservamos apenas às hipóteses de doação oriunda de doador residente ou domiciliado no exterior.
Mas afinal, incide ITCMD sobre a doação de doador residente ou domiciliado no exterior?
Conforme disposto no artigo 155, §1º, III, “a”, da Constituição, quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior, somente a Lei Complementar terá competência para dispor sobre a instituição de ITCMD:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; (…) § 1º O imposto previsto no inciso I: (…) III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar: a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;
Como se vê, de acordo com a Constituição, somente a Lei Complementar tem competência para regular matéria sobre a instituição de ITCMD se o doador tiver domicílio ou residência no exterior.
Logo, na hipótese de doador residente ou domiciliado no exterior, o imposto será devido somente se regulado por Lei Complementar. Mas não é o que ocorre na prática.
Tome-se como exemplo o Estado de São Paulo.
Apesar da inexistência de Lei Complementar para tratar da matéria, o Estado de São Paulo, por meio do Decreto nº 46.655/02[2], editou a Lei Estadual nº 10.705/00[3], e sem competência para tal, tratou da incidência e cobrança do ITCMD sobre a doação oriunda de doador residente ou domiciliado no exterior.
Assim, ainda que seja manifestamente inconstitucional, a autoridade administrativa fiscal tem adotado o disposto no artigo 4º, II, alínea “a” da Lei nº 10.705/00[4], como fundamento para cobrança do tributo.
Mas vale ressaltar, nos termos da Constituição Federal, os Estados não possuem competência tributária para suprir a edição de Lei Complementar.
Portanto, nesse caso considera-se que a cobrança do tributo é inconstitucional.
O próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entende que é indevido o recolhimento do imposto sobre a doação, nesses casos em que o doador reside ou tem domicílio no exterior.
Felizmente, em caso de recolhimento indevido do tributo por força de norma inconstitucional, o contribuinte fará jus à restituição total do valor pago, nos termos do artigo 165, do Código Tributário Nacional.
Sendo assim, em situações como a do Estado de São Paulo, o contribuinte deve buscar a orientação profissional especializada, a fim de que seja adotada a melhor estratégia para recorrer da cobrança indevida, seja à autoridade administrativa ou ao Poder Judiciário.
[1] Artigo 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.
[2] https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2002/decreto-46655-01.04.2002.html
[3] https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2000/lei-10705-28.12.2000.html/4368
[4] Artigo 4º – O imposto é devido nas hipóteses abaixo especificadas, sempre que o doador residir ou tiver domicílio no exterior, e, no caso de morte, se o “de cujus” possuía bens, era residente ou teve seu inventário processado fora do país: (…) II – sendo incorpóreo o bem transmitido: a) quando o ato de sua transferência ou liquidação ocorrer neste Estado;