No dia 21 de agosto de 2023, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu o Parecer de Orientação n. 41, para regular o acesso das Sociedades Anônimas do Futebol (SAF) ao mercado de capitais.
A Lei da SAF instituiu normas específicas sobre constituição, governança, transparência, controle e financiamento da SAF, subsidiariamente regulada pela Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76).
Entretanto, estão sujeitas à regulação e supervisão da CVM apenas as SAFs que sejam registradas como companhias abertas ou acessem o mercado de capitais para financiar, ainda que em parte, suas atividades.
O Parecer limita a área de atuação da CVM, definindo que certos tipos de ativos com os quais os clubes de futebol atuem estão fora do seu escopo regulatório. Ou seja, os fan tokens (no sentido de utility tokens) e as apostas esportivas estão fora do âmbito de competência da CVM.
A CVM é órgão responsável por fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil.
No Parecer, a CVM aborda: i) Formação do Capital Social da SAF; ii) Ações de Emissão da SAF; iii) Poder de Controle e Governança Corporativa; iv) Acesso ao Mercado de Capitais; v) Publicações, Transparência, Comunicados ao Mercado e Fatos Relevantes.
FORMAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL DA SAF
Nos termos da Lei da SAF, há três opções para sua constituição: a) transformação da pessoa jurídica original em SAF; b) separação do departamento de futebol da pessoa jurídica original, com a transferência do patrimônio relacionado ao futebol; c) iniciativa de pessoa física ou jurídica, ou ainda de fundo de investimento.
Assim, além da transferência de bens tangíveis, há a possibilidade de transferência de ativos intangíveis para a SAF, tais como: nome, marca, registros e licenças desportivas.
Ou seja, é possível que a formação do capital social da SAF se dê diretamente por dinheiro, mas também por outros bens, desde que suscetíveis de avaliação em dinheiro[1].
Para tanto, a avaliação de tais bens deve ser feita por peritos ou empresas especializadas, motivo pelo qual a CVM orienta que as normas aplicáveis ao mercado de valores sejam observadas desde a constituição da SAF, inclusive com a contratação de auditores registrados na CVM.
AÇÕES DE EMISSÃO DA SAF
A Lei da SAF prevê, excepcionalmente ao previsto na Lei das SAs, que proíbe as SAs de emitir mais de uma classe de ações ordinárias, a emissão obrigatória de ações ordinárias de Classe A, sendo de subscrição exclusiva pela pessoa jurídica original. Referem-se à titularidade de prerrogativas especiais, como a necessidade de sua aprovação para a) alteração de denominação da companhia; b) modificação dos sinais identificativos da equipe de futebol, incluindo escudo, cores e hino; c) mudança de sede; d) qualquer alteração estatutária que afete os direitos previstos para esta classe de ações.
Diante disso, é vedada a negociação de ações de Classe A no mercado mobiliário.
Caso seja de interesse negociar tais ações, é necessário que sejam criadas outras ações ordinárias ou preferenciais que não tenham as prerrogativas especiais das ações de Classe A, observando-se, porém, o limite de 50% de ações preferenciais sem direito a voto.
PODER DE CONTROLE E GOVERNANÇA CORPORATIVA
A Lei da SAF exige que seja instituída uma estrutura mínima de governança, dando, entretanto, a faculdade aos estatutos sociais de implementarem estruturas complementares, desde que estejam de acordo com a Lei das SAs e regulações da CMV.
Entre as proibições, estão a de o acionista controlador de uma SAF possuir participação direta ou indireta em outra SAF. Além disso, caso um mesmo acionista detenha mais de 10% de ações votantes de uma SAF e for também titular de ações de emissão de outra SAF, perderá o direito a voz e voto em ambas as sociedades, além de sua participação na administração também restar vedada. No caso, também é vedado o uso de acordos parassociais, ou acordos de sócios, para evadirem-se das obrigações previstas na Lei.
Outro ponto importante trazido pelo Parecer é que os titulares de ações preferenciais, sem direito a voto ou com direito restrito, podem adquirir tal direito no caso de não pagamento de dividendos fixos ou mínimos, desde que respeitada a necessidade de voto dos titulares de ações de Classe A nas matérias em que possuam prerrogativa para tanto.
Por fim, ao contrário do que prevê a Lei das SAs, o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal são obrigatórios e com funcionamento permanente.
ACESSO AO MERCADO DE CAPITAIS
Assim como as SAs, as SAFs podem captar recursos de diversos modos: a) aberturas de capital e distribuições públicas; b) crowdfunding de investimentos; c) fundos de investimento, estando inclusos os Fundos de Investimento em Participações (FIPs), Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC); d) securitização, através de fundo de investimento ou pela emissão de espécie de certificado de recebível; e) emissão de debêntures não previstos na Lei da SAF.
Para tanto, evidentemente, devem obedecer às disposições e regulações existentes para as SAs, notadamente as Resoluções 80 e 160, ambas da CVM.
A novidade instituída foi a criação dos “debêntures-fut”, uma espécie de debênture específica criada pela Lei da SAF, sendo exclusiva desta. Neste caso, importante observar as Resoluções 77 e 81, ambas da CVM, nos casos de ofertas públicas ou quando forem admitidas à negociação em mercados de valores mobiliários.
- PUBLICAÇÃO, TRANSPARÊNCIA, COMUNICADOS AO MERCADO E FATOS RELEVANTES
A CVM faz um interessante alerta com relação às suas ofertas públicas. O aspecto emocional relacionado ao futebol deve ser levado em conta e é muito importante nos casos das SAFs, exigindo-se mais cuidado, clareza e responsabilidade nas informações e publicações.
Da mesma forma, deve-se atentar às publicações eventuais e não relacionadas às ofertas públicas, as quais também devem observar as normas aplicadas às companhias abertas. Ainda, é obrigação das SAFs disponibilizar e manter algumas informações em suas páginas online.
O Parecer também mostra preocupação com relação à definição de quais informações relacionadas à SAF devem ser divulgadas ao mercado, tendo em vista o contexto especial em que estão inseridas. Isso em razão do acompanhamento acentuado e exacerbado de torcedores, jornalistas e influenciadores digitais.
Assim, a CVM entende que nem todo boato deve ser objeto de manifestação por parte da SAF e seus administradores, o que não retira, todavia, a obrigação de manifestação nos casos exigidos legalmente ou por resoluções.
A CVM conclui seu Parecer informando que o documento busca consolidar os entendimentos da Autarquia para melhor organização dos agentes, sem, contudo, esgotar os debates relacionados à SAF, que estão em ampla evolução e desenvolvimento.
[1] art. 7º da Lei das SAs